Artigo
Meritocracia contra Nomenclatura
De Fernando Nogueira da Costa

A pedido da FENAG o professor Fernando Nogueira da Costa escreveu o artigo abaixo, quanto a nomeação de membros para cargos públicos. O professor participou da direção estratégica de empresa pública como vice-presidente de Finanças e Mercado de Capitais da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, entre fevereiro de 2003 e junho de 2007, vice presidente da CAIXA no período 2003/2007, palestrante e professor da UNICAMP.
Antes do conhecimento da Teoria das Inteligências Múltiplas – lógico-matemática, linguística, espacial, musical, corporal-cenestésica, intrapessoal e interpessoal –, o gestor ou contratava pessoas que eram como ele ou tentava fazer as pessoas serem como ele. Ambas as atitudes eram um erro. O correto é contratar e/ou nomear pessoas que trabalham bem juntas, que tenham perfis de inteligência contrastantes, e que não sejam clones do próprio líder. Tudo pode ser aprendido melhor se é aproximado por tipos diferentes de inteligência.
O líder deve ter coragem de empregar pessoas com personalidade para lhe contradizer: “não, você está errado neste caminho, siga este outro...”
No entanto, dirigentes ou gerentes que operam em contextos sociais de alta complexidade e opacidade, como o ambiente político e econômico, filtram e agregam novas informações, de uma maneira enviesada, em favor de mapas mentais prévios de que já disponham. Eles tendem a incorporar apenas as informações que confirmem e reforcem seus mapas mentais e visões de mundo já estabelecidos, descartando as informações dissonantes. Em Economia Comportamental, esse viés heurístico é conhecido como Viés da Autovalidação ou Validação Ilusória. É fonte de erros recorrentes em tomadas de decisões empresariais e/ou financeiras.
O desenvolvimento de uma compreensão social básica pelos indivíduos envolve altos custos para a aprendizagem. Isso gera um processo de dependência de trajetória em que a tendência é a de reproduzir esses mapas mentais previamente estabelecidos em momentos posteriores.
Os estrategistas erram quando só buscam dados ou opiniões que corroborem suas projeções. Assim, falam apenas com analistas que pensam da mesma maneira, leem matérias e reportagens que apoiam sua decisão, enquanto o que deveriam procurar fazer era ter contatos com pessoas ou fontes que questionassem suas projeções, fazendo-os refletir, procurar por pontos que não foram capazes de prever. Ao invés de pesquisarem dados e informações que possam mostrar que estão errados, procuram só os casos que mostram que estão certos! Essa sutil diferença pode causar grandes erros de previsão, pois não recebem questionamentos, logo, não reveem suas análises de maneira criteriosa.
Por exemplo, os economistas, de maneira geral, são extremamente apegados às ideias que conseguiram aprender na juventude e jamais delas se desvencilharam, devido ao viés ideológico não questionado com novos estudos. Por isso, devemos respeitar a mudança de trajetória governamental que minha ex-aluna Dilma Rousseff, cuja formação é desenvolvimentista, adotou no início de seu segundo mandato presidencial: a vida política requer a coragem de mudar. Mudou a conjuntura, mudam-se as ideias...
O grau de investimento da economia brasileira estava ameaçado pela deterioração dos indicadores fiscais, tanto o superávit primário, quanto a relação dívida bruta / PIB. Houve por bem, então, trocar o Ministro da Fazenda de um submisso, que privilegiava a atuação anticíclica, aliás, alcançando a menor taxa de desemprego da história, por outro que focaliza sobretudo o ajuste fiscal.
Outra atitude marcante foi montar um Ministério com lideranças das associações patronais ou corporativas. Os ex-ministros não representantes “pelavam de medo” de contrariar a Presidenta, alertando-a para evitar caminhos equivocados.
Ainda não se criou instituições para evitar o “presidencialismo de coalizão partidária” com o “toma-lá-dá-cá” para se montar a (infiel) base governista. Esta é aliada não com base em programa de governo, mas sim em barganha por cargos, verbas e financiamentos de campanhas eleitorais dos congressistas.
Ligada a essa causa está o problema da Nomenclatura: os aparelhos partidários que lhes permitem dirigir o Estado brasileiro. Significa a lista dos postos de direção do poder das autoridades superiores e a lista das pessoas que ocupam cargos ou que são mantidas em reserva para esses cargos.
Nenhum partido dispõe de um efetivo técnico qualificado suficientemente para exercer, sozinho, a direção do enorme aparelho estatal brasileiro, ocupando todos os postos de sua responsabilidade. Desse vazio existente os carreiristas se ocupam em preencher como “homens cordiais”, parasitas que se submetem aos “poderosos”. Para ter alguma chance de êxito, basta pouca coisa: entrar para o partido e seduzir com dedicação e fidelidade a sua direção. Ter pertencido a alguma organização política clandestina, há quase 50 anos, um sindicato ou uma associação patronal também é reconhecido como “serviço prestado à pátria”...
Quais os critérios que atendem à necessidade de uma seleção? O critério mais importante não é a reputação profissional, demonstrada através de títulos ou currículo técnico, mas sim o “perfil político”. O triunfo deste encontra sua explicação na conveniência de dar empregos a pessoas pouco aptas, até mesmo inaptas, para o trabalho que devem realizar. Sendo dependentes, submetem-se.
Nessa deturpação da Meritocracia, cada apadrinhado tem a consciência do fato de que, ocupar um posto não é um direito adquirido por sua competência, mas sim um favor que lhe é feito pela direção. Ele poderá ser facilmente substituído se lhe for retirado o favor. Ninguém é considerado insubstituível. Fica inseguro.
Então, é raro encontrar nos diferentes governos pessoas verdadeiramente talhadas para o posto que ocupam. Isto porque basta os órgãos de direção dos partidos recomendarem seus protegidos às “instâncias superiores”.
As camadas partidárias evoluem em duas direções opostas. A alta hierarquia sobe e começa a dar ordens, enquanto a baixa – os simples militantes dos partidos – se vê obrigada a executar ordens sem hesitar. Aqueles da alta administração tomam as decisões, enquanto os que estão debaixo informam-se sobre as decisões e executam-nas, observando as oportunidades de se locupletar.
A escolha por meritocracia pode ser deturpada, transformando-se em um sistema de recompensa ou promoção, seja em emprego, seja em partido político, fundamentado não no mérito pessoal de produtividade ou titularidade, mais sim no estabelecimento de rede de relacionamento social, político-partidário, profissional e/ou familiar. Em outras palavras, esse reconhecimento de mérito se dá apenas por indicação pessoal ou de grupos de indivíduos.
Considerando as desastrosas experiências de aferição do QI (“Quem Indica”), seria de bom alvitre maior rotatividade nos cargos e/ou alternância no poder como formas de se precaver contra a onipotência e o estabelecimento de relações promíscuas de clientela entre o público e o privado. Cargos deveriam ser ocupados por mandatos mais curtos, preenchidos por mérito técnico e não estritamente político.
Por que não se cria uma Escola Superior de Administração Bancária (ESAB) a lá Escola Superior de Administração Fazendária (ESAF) para formar quadros de Estado para a alta administração dos bancos públicos e dirigentes do Banco Central do Brasil? Com a exigência de diplomas, que comprovem essa formação especializada, evitar-se-ia a nomeação de incompetentes por pressão política.
RESUMO: A Teoria das Inteligências Múltiplas sugere que o correto é contratar e/ou nomear pessoas que tenham perfis de inteligência contrastantes e complementares. Não sendo clones do próprio líder devem ter personalidade e independência para contrariá-lo. Evitam, assim, o Viés da Autovalidação ou Validação Ilusória. No entanto, a Nomenclatura contraria essa lógica de gestão ao nomear pessoas dependentes que ocupam um posto não por sua competência, mas sim por um favor que deve ao padrinho político. Cargos deveriam ser preenchidos por mérito técnico e não estritamente político. Sugere-se a criação da ESAB (Escola Superior de Administração Bancária) para enfrentar o problema nos bancos públicos.
* Por: Fernando Nogueira da Costa
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