Artigo

Sobre o decreto da democracia participativa

De Wilson Gomes

Pelas reações das pessoas à decisão da Câmara de derrubar o decreto presidencial da democracia participativa, como primeiro ato pós-eleições, acho que a ficha ainda não caiu. Era o melhor decreto, para o meu gosto de teórico da democracia, do governo Dilma Rousseff, mas o governo não conseguiu defendê-lo nem ante a opinião pública nem diante do Congresso. O pior é que eu acho que a ideia que sustentava o decreto era tão boa que defendê-lo não requeria mais do que empenho e uma comunicação eficiente – faltaram as duas coisas. Mas por que o decreto caiu? Simples: porque tinha cara, jeito e vocabulário de esquerda, embora quisesse apenas dar mais consistência à democracia participativa, ideia que transita bastante em ambientes de democracia liberal mundo afora.

Como assim “a ficha ainda não caiu?”. Meus amigos, se não ficou ainda claro, é bom que fique, e rápido: a esquerda não ganhou esta eleição, por mais que a direita ache que sim. Quem ganhou esta eleição foi o centro. A eleição presidencial ficou com a centro-esquerda, o Congresso manteve a tendência de centro-direita. Ponto. Se a presidente e o seu partido acharem que podem governar com agenda marcadamente de esquerda, com vocabulário e representação de esquerda, não vão conseguir. A atual Câmara deixou um recado claríssimo ontem. A próxima terá ainda mais antipatia à esquerda.

O problema é que a presidente reeleita começou mal. Já no discurso de posse, jogando para a militância, atiçou-lhe os apetites com a ideia de plebiscito para a reforma política. E com a mágoa de Veja ruminando em todas mentes, não é surpreendente que regulação da mídia já seja palavra-chave. Isso não vai dar certo. Se neste Congresso a esquerda é minúscula, no próximo, terá contra si uma direita ainda maior. A esquerda terá que fazer amiguinhos no centro, antes que a direita, que é maior, o faça. Se cair na tentação de convocar "as ruas" e outras mitologias da esquerda, aí mesmo é que será um fracasso. Melhor nem dar ideias, porque jogará sobre os próprios ombros uma pressão imensa a que não poderá corresponder: a nossa cultura política cultua adora representações monocráticas do poder político, mas o design institucional da democracia supõe uma divisão clara de poder entre governo e Congresso. Além disso, quando militantes vão para a rua, ninguém sabe quando e como vão voltar pra casa – lembrem-se de que aqueles movimentos de junho de 2013 quase custaram as eleições de 2014. O que mobilizações de massa poderiam fazer pelo governo neste segundo mandato é basicamente reproduzir o estrago feito em 2013: a) disseminar a sensação, na opinião pública, de que este governo não presta; b) animar o antipetismo, que é muito maior do que a esquerda, mais ruidoso e, depois desta eleição em que quase derrubam o PT, vai ser a pedra no sapato da presidente Rousseff.

Em suma, governa quem pode, e a esquerda, nas ruas ou no Congresso, não tem força política. Sim, governa a centro-esquerda, mas não confundam as duas categorias, seu vocabulário e os seus propósitos. Esquerda é uma coisa, o centro é outra. Quanto mais cedo se entender isso, mais chances terá este governo de dar certo.

* Wilson Gomes é filósofo, antropólogo e cientista político

 

 

     

           
     

     
 
 

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